A Polícia Federal (PF) está aprofundando o cerco contra o esquema bilionário que desviou recursos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), utilizando associações de aposentados como fachada. Um levantamento da PF identificou pelo menos sete entidades que, juntas, faturaram a expressiva quantia de R$ 1,7 bilhão desde que firmaram acordos de cooperação técnica com o órgão. A investigação revela um intrincado sistema de laranjas, nos quais figuram desde beneficiários do Bolsa Família e idosos com baixa renda até parentes de empresários e uma faxineira de empresa que recebeu milhões de reais dessas associações.
A conexão entre esses laranjas e os empresários por trás do esquema foi exposta pela série de reportagens "Farra do INSS" do Metrópoles. As apurações demonstraram que essa fraude nos descontos de mensalidades de aposentados não apenas lesou milhões de brasileiros ao longo dos anos, mas também prejudicou significativamente a fila de espera por benefícios em todo o país, gerando um prejuízo operacional de R$ 5,9 milhões ao próprio INSS.
As investigações revelam ainda que muitos dos aposentados que aparecem formalmente como dirigentes dessas entidades outorgaram procurações a empresários e ao lobista Antonio Camilo Antunes, conhecido como "Careca do INSS", para que atuassem em seu nome. Há forte suspeita de que parte dessas associações tenha realizado pagamentos de propina a funcionários do INSS.
Um dos exemplos emblemáticos é a Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB), que firmou seu acordo de cooperação técnica em 2021, durante a gestão de José Carlos de Oliveira (PSD), que posteriormente se tornou ministro da Previdência no governo de Jair Bolsonaro (PL). Desde então, a AAPB movimentou R$ 168 milhões. Na época do acordo, a entidade era formalmente dirigida por Raimunda da Cunha, então com 81 anos. A associação também concedeu amplos poderes, por meio de procuração em 2021, ao advogado Roberto Marinho Luiz da Rocha, cujo nome aparece na complexa teia de repasses financeiros da própria entidade. A AAPB também figura como uma das pagadoras de Cecília Mota, suspeita de operar pagamentos a servidores do INSS e ligada a diversas outras entidades sob investigação.
Outra associação com perfil semelhante é a Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (AAPEN), que faturou R$ 233 milhões. Anteriormente conhecida como ABSP, ela havia sido expulsa pelo INSS em 2019, mas seu acordo foi restabelecido pelo ex-diretor André Fidelis, que também é alvo de suspeitas por receber propinas de entidades e do "Careca do INSS", que atuava por diversas associações. Fidelis também é investigado por supostos pagamentos de Cecília Mota e por diversas viagens realizadas com ela a Portugal. A AAPEN tinha como presidente Maria Eudenes dos Santos, que chegou a ser beneficiária do Bolsa Família e do Auxílio Brasil. Ela outorgou procuração com amplos poderes a Tiago Alves de Araújo, que realizou 15 viagens a Portugal com Cecília Mota e recebeu R$ 120 mil de seu escritório.
A Unaspub, por sua vez, tinha como presidente Maria das Graças Ferraz, aposentada por incapacidade. Ela concedeu procuração a Antônio Lúcio Caetano Margarido, proprietário de diversas empresas de seguros e com movimentações financeiras milionárias. A empresa do "Careca do INSS" também consta como beneficiária da Unaspub, que foi credenciada pelo INSS em 2022.
A associação Universo, também sob suspeita de pagar propina a André Fidelis através de uma empresa de marketing esportivo, está ligada a uma extensa lista de empresários e efetuou pagamentos a diversas empresas. Sua presidente formal é Valdira Prado, de 79 anos. A entidade faturou R$ 255 milhões desde seu credenciamento no INSS em 2022.
O trio de entidades Ambec, Unsbras (atualmente Unabrasil) e Cebap, apontado como responsável pelo pagamento de R$ 12 milhões ao "Careca do INSS", tem como diretores parentes e até funcionários de empresas ligadas ao empresário Maurício Camisotti. Uma dessas diretoras, conforme revelado pelo Metrópoles, está registrada como faxineira de uma das empresas do grupo. Ambec, Cebap e Unsbras foram credenciadas junto ao INSS, respectivamente, por José Carlos de Oliveira, Edson Yamada (próximo a Oliveira) e André Fidelis, entre os anos de 2021 e 2023. Juntas, essas três entidades movimentaram R$ 852 milhões desde que foram aceitas pelo órgão.
A Polícia Federal segue aprofundando as investigações para desmantelar completamente esse esquema fraudulento e responsabilizar todos os envolvidos, buscando reaver os recursos desviados e garantir a integridade do sistema previdenciário brasileiro. Até o momento, não há atualizações significativas sobre novas prisões ou apreensões relacionadas a este caso.