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Caso Samarco: pessoas atingidas ainda não tem acesso ao plano de recuperação ambiental quase 10 anos após desastre em Mariana

Comunidades atingidas denunciam ausência do Plano de Recuperação Ambiental que teve prazo de apresentação prorrogado para julho

Redação
Por: Redação Fonte: https://portalgenesis.net.br/
18/06/2025 às 16h07
Caso Samarco: pessoas atingidas ainda não tem acesso ao plano de recuperação ambiental quase 10 anos após desastre em Mariana
Foto: Divulgação / Acervo Aedas

A pouco menos de cinco meses para completar uma década do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), um dos pilares essenciais para a reparação ambiental da Bacia do Rio Doce permanece inacessível à população atingida: o Plano de Recuperação Ambiental (PRA). Previsto no novo Acordo de Reparação, homologado em novembro de 2024, o documento deveria ter sido entregue pela mineradora Samarco em março deste ano. No entanto, a entrega foi prorrogada, com a nova previsão para julho de 2025 – quase dez anos após o maior crime socioambiental do país. Enquanto a espera se prolonga, milhares de famílias atingidas continuam a conviver diariamente com os efeitos devastadores da lama tóxica que invadiu o rio e os territórios.

A ausência que compromete a reparação

Vanessa Rodrigues, coordenadora da equipe temática socioambiental do programa Médio Rio Doce da Aedas, assessoria técnica independente que atua junto às pessoas atingidas no Vale do Aço e Leste de Minas Gerais, expressa profunda preocupação. "Sem um plano aprovado, não há diretrizes claras, cronograma, nem orçamento específico para a reparação ambiental da bacia do Rio Doce", afirma.

Rodrigues salienta que, embora a prorrogação no prazo de apresentação do plano esteja prevista no acordo, sua ausência é um sinal alarmante. "A ausência do PRA compromete a efetividade da recuperação ecológica, aumenta o risco de novos danos e dificulta a responsabilização das empresas. É um sinal claro de que a reparação segue sendo conduzida sem planejamento e sem diálogo", enfatiza.

O Plano de Recuperação Ambiental é reconhecido como o principal instrumento técnico e jurídico para guiar a reparação após desastres. O Anexo 16 do novo Acordo estabelece que o PRA deve consolidar todas as obrigações ambientais, definindo metas, indicadores, áreas prioritárias, cronogramas e métodos de execução. Além disso, o plano deveria ser a base legal para o acompanhamento por outros atores e garantir a participação da sociedade civil. No entanto, a realidade é outra: nenhuma versão do plano foi disponibilizada para consulta pública, e as comunidades não foram ouvidas em sua elaboração, resultando em ações fragmentadas e unilaterais por parte das mineradoras, sem conexão com as demandas dos territórios.

Thiago Alves, dirigente nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), critica a falta de participação das comunidades na elaboração do PRA. "Apesar da centralidade do Plano para a recuperação ambiental, as pessoas atingidas não foram consultadas em momento algum sobre sua construção. Não há, sequer, previsão de participação da sociedade civil no Anexo 16 do novo acordo, o que rompe com a experiência anterior do CIF, que contava com representação dos atingidos nas câmaras técnicas. Isso compromete e fragiliza o controle social. Nossa expectativa é que haja abertura para o diálogo, com funcionamento do Anexo de Participação, para garantir que os territórios atingidos tenham voz no que diz respeito à reparação ambiental", declarou.

Bilhões gastos, mas os danos persistem

Apesar dos quase R$ 800 milhões que a mineradora Samarco alega ter aplicado em ações ambientais desde 2018 – incluindo reflorestamento, cercamento de nascentes e monitoramento da qualidade da água e dos sedimentos –, para quem vive nas margens do Rio Doce, esses números não se traduzem em resultados tangíveis. A empresa informa que 41 mil hectares já foram cercados e mais de 3,7 mil nascentes protegidas.

Entretanto, a confiança na qualidade da água fornecida continua sendo uma preocupação central para os moradores. Dados do Registro Familiar, levantamento da Aedas para caracterizar os núcleos familiares e a extensão dos danos, revelam que cerca de 93,93% das pessoas atingidas não confiam na qualidade da água do Rio Doce, principal fonte de abastecimento de diversos distritos, como Cachoeira Escura, em Belo Oriente (MG).

Maria Rosa, professora aposentada e membro da Comissão de Atingidas e Atingidos do município, compartilha essa desconfiança. "A bomba que faz a captação para o reservatório da Copasa fica diretamente dentro do Rio Doce. Quando o rio está assoreado vai uma máquina lá para mover a areia, para tirar a areia, para entrar água para captar. Então pega aquela água barrenta e aquela água ali é decantada… e depois levada para a nossa residência. Cheia de minério! Como confiar?", questiona.

Isac Pereira, pescador e morador de Itueta, cidade do Leste de Minas Gerais triplamente atingida pelo desastre, reforça a fala de Maria Rosa. "Nós estamos há quase dez anos lutando pela reparação dos nossos danos. A pesca continua inviável, a agricultura foi desestruturada, e ninguém consegue confiar na água que chega nas nossas casas. O que adianta dizer que reflorestaram terrenos se o rio continua morrendo?", indaga.

Vanessa Rodrigues também alerta que os danos acumulados têm um reflexo direto na saúde física e mental da população, com um aumento preocupante de doenças associadas à contaminação ambiental e à instabilidade socioeconômica. "Tal cenário configura uma grave violação de direitos humanos, ambientais e territoriais, evidenciando o prolongamento da injustiça socioambiental vivida pelas populações atingidas desde o rompimento da barragem de Fundão", conclui.

O papel da assessoria técnica independente (ATI) e os desafios futuros

Nos últimos dois anos, a Assessoria Técnica Independente Aedas tem desempenhado um papel crucial no acolhimento e encaminhamento de demandas socioambientais. A assessoria analisa qual ator do processo reparatório – sejam as Instituições de Justiça (IJs), a Fundação Renova, ou as Câmaras Técnicas do Comitê Interfederativo (CIF) – está mais apto a atender às necessidades das pessoas atingidas. Essas demandas são, em grande parte, identificadas e debatidas em espaços participativos criados junto às comunidades, como os Grupos de Atingidos e Atingidas (GAAs), os Grupos de Agentes Multiplicadores (AGMs) e as Comissões de Atingidos e Atingidas.

Com o novo processo reparatório, os anexos 16, 17 e 18 – que abordam diretamente as questões socioambientais – terão uma governança própria. No entanto, esses novos espaços e atores ainda estão em fase de estruturação. Neste momento, a Aedas acompanha a execução das ações previstas nesses anexos e o processo de definição e consolidação de suas respectivas governanças. Além disso, a assessoria continua a encaminhar as demandas socioambientais relacionadas ao período de transição e encerramento das atividades da Fundação Renova, especialmente no que se refere às ações e obrigações que ainda precisam ser cumpridas antes de sua liquidação.

A entrega do Plano de Recuperação Ambiental em julho de 2025 é aguardada com apreensão, mas também com a esperança de que, finalmente, a reparação integral e a participação efetiva das comunidades se tornem realidade.

Foto: Divulgação / Acervo Aedas

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